18/12/2007

Destilando ódio - Parte I

Desde pequeno eu sempre quis ser intelectual. Eu não quero chamar todas as pessoas que conheci de burras, mas nunca conheci ninguém que gostava de conhecimento, do aprender, até passar no vestibular.

Aí eu entrei em contato - embora ainda de modo superficial - com uma fatia dos intelectuais porto-alegrenses, ou ao menos conheci o ambiente que lhes é propício. Quanta decepção. Não que eles sejam idiotas ou mediocres (talvez alguns deles o sejam mesmo), mas é que existem aqueles que nasceram intelectuais, foram criados como intelectuais, e vão morrer sem ter amadurecido em quase nada.

É um padrão muito comum de comportamento, assim como o valentão da escola, o empresário ambicioso, a mocinha mimada.

Fácil reconhecê-los. O intelectual congênito, acima de tudo, não gosta de nada, afinal, gostar de algo é não ter uma posição "crítica" a respeito. Sempre arruma um jeito de desvalorizar aquele livro clássico que ele leu. Se ele não leu, melhor ainda para falar mal. O intelectual só abre exceções quando descobre que seus interlocutores não conhecem algum autor obscuro, ou exótico, aí então eles tecem todos os elogios do mundo e desferem aquele olhar de superioridade característico. A questão não é discutir apetites, mas sim utilizá-los para humilhar o gosto alheio e acariciar sua própria vaidade.

O intelectual não gosta de nada, nem dos próprios intelectuais. Nada o satisfaz mais do que falar mal dos seus pares, eles realmente levam a sério a guerra de todos contra todos de Hobbes. Aparentemente, desprezar a academia é um jeito eficiente de entrar nela. Nenhum acadêmico gosta de assumir o que é, exceto quando necessário impor sua autoridade institucional.

O intelectual porto-alegrense prefere a argentina ao resto do Brasil. Eles tentam disfarçar, mas é que Buenos Aires é a Europa dos intelectuais de classe média.

O intelectual também prefere a França ao resto do mundo, afinal contaram para eles que todo francês é culto, convencido e sarcástico, então todos eles agem assim. O estereótipo intelectual é francês. Não duvido nada que alguns não tomem banho para imitarem os costumes dos seus modelos.

12/10/2007

Estava eu atravessando o viaduto da João Pessoa, quase imobilizado por estar carregando mochila, jaqueta jeans e um MP3 player na mão, quando sou abordado por um rapaz. Paro, inclino a cabeça para ouvi-lo. Quando este chega bem próximo, ouço;
-Isso é um assalto!
-Quê?
-Só o dinheiro! Só o dinheiro! Só o dinheiro!

Creio que fiquei cerca de um minuto parado, olhando, sem entender o que estava acontecendo. Sou meio devagar, e perdi algum tempo percebendo o que ele tinha nas mãos (nada!) e o número de passantes pela volta.

Ora, eu posso não ser o mais rápido e corajoso do mundo (embora até tenha um pouco de sorte), porém não cederia tão facilmente. O rapaz estava contando que eu cairia atemorizado só com a ameaça. Eu posso ser um merda perto dos caras do lugar de onde cresci, mas eu ainda sou mais tranqüilo e sangue-frio que a maioria desses seqüelados da Capital.

Eu simplesmente disse: "Sai fora, meu!" e dei um passo para trás, e dois para a direita. Ele desistiu facilmente, virando-se de costas e dizendo, enquanto balançava a cabeça negativamente:
"Não tem, não tem! Fazer o quê?"

Tive um amigo que teve o relógio roubado, sendo que o ladrão ainda pediu desculpas: "Foi mal! É que to precisando!". Ainda ouvi uma história de terceiros, que o ladrão após assaltar uma rapariga e ter se distanciado uns 10 passos, retorna e pergunta à moça:
-Tem fichinha de ônibus pra voltar pra casa?
-Ah! Sim! Tenho!
-Então tá bom, tchau!

Uma amiga teve um caso ainda mais interessante. Voltava do mercado com uma sacola de compras quando foi abordada pelo assaltante. Não tendo dinheiro ela oferece fichas de ônibus, ao que ele aceita. Ela começa a procurar na sua mochila, levando certo tempo para encontrar. O rapaz olha para a sacola do supermercado:
-Tem comida aí?
-Só leite.
-Ah, bom. Então deixa.
Mais alguns minutos se passam enquanto ela procura. Ele pede o celular, mas ela não o carrega, e eles discutem se é necessário que ele revista a mochila dela. Mais algum tempo se passa enquanto ela procura fichas para o assaltante, até que ele diz:
-Olha, quando tu passar por essas ruas aqui tu te cuida melhor, viu?

Nada contra assaltantes, mas o mínimo que eles podiam fazer é livrar-nos do fardo de ter que amenizar a culpa que eles sentem por estarem nos assaltando. Se tu vais assaltar alguém, não peça desculpas, não finja que se importa, não aja como inocente. A sua culpa é problema seu, não jogue esse fardo para nós. Não quero saber se tu passas fome, se teu pai te bate ou o diabo. Não enquanto estou sendo assaltado, pelo menos. Nem todos os assaltantes são pobres, nem todos os pobres são assaltantes. Um crime é sempre um crime, caso contrário não seria um crime. Compreender algo tão simples é algo que escapa, não somente aos assaltantes, mas a toda a nossa sociedade que insiste em achar natural aquilo que todo dia nos consome: a irresponsabilidade. Não somos responsáveis pela miséria alheia, e os assaltantes também não se acham responsáveis por estarem nos assaltando.

Já não basta ouvirmos políticos legitimando seus salários, empresários justificando a sonegação, temos ainda que ouvir as desculpas e os conselhos de assaltantes de rua? Eu estou farto dessa sociedade de inocentes, de pobres coitados que são obrigados a cometerem crimes pelas condições impostas pelo coletivo.

É possível discutir se piratear “Tropa de Elite” é um crime ou não, porém até o presente momento de nossas leis, é. No entanto, não é possível discutir se o direito sobre a vida e a morte pode tornar-se uma prerrogativa de qualquer policial da “Tropa de Elite”, assim como não se pode justificar a lei do medo e da violência dos assaltantes como um meio de sobrevivência. A crise moral da nossa sociedade não é a falta de alguma coisa, é o excesso de razões para responsabilizar os outros pelos problemas coletivos.

“Essa miséria que nos sustenta”, vai muito além da pobreza material. A miséria também é da teoria, da ideologia que permite que consigamos conversar todos os dias, do espírito que nos move dentro da nossa sociedade.

26/09/2007

Não me siga!

Também não sei para onde estou indo.

17/08/2007

Dostoiévski.

“Stavróguin foi, mas depois de três passos voltou-se para Liza. – Se você ouvir alguma coisa agora, Liza, fique sabendo: sou o culpado”.


É difícil explicar porque gosto tanto de Dostoiévski, principalmente porque ele se tornou para mim, desde sempre, uma divindade pessoal, no mesmo nível de Cavaleiros do Zodíaco e o Nirvana (a banda). Talvez o meu fascínio seja fruto da minha incapacidade de enquadrar a obra de Dostoiévski, e submetê-la à inteligibilidade da estética taxionômica, ou seja, é impossível “explicar” um romance dele, como se poderia normalmente “explicar” um romance qualquer.

É difícil gostar das personagens sem sentir-se constrangido e perturbado pelas ambigüidades que elas carregam Não há como falar sobre Raskolnikov ou Ivan Karamazov sem empobrecê-los de forma terrível, e Mersault de Albert Camus parece ridículo e banal diante de Nikolai Stavróguin. Resumir a história também é sempre uma bobagem, pois embora Dostoievski sempre nos apresente um enredo principal, ele fica boa parte do romance nos seus desvios narrativos que muito pouco necessitam do eixo principal para ter vida própria. E para completar o desespero do leitor as histórias normalmente começam e terminam de repente, isso se o leitor conseguir superar as tortuosas primeiras páginas em que o autor insiste em mantê-lo sem compreender quase nada do que se passa na estória, embora a conte de forma clara e óbvia.

Lembro-me que quando li Crime e Castigo – obra que lembro muito pouco porque era muito jovem na época, e está longe de ser uma das minhas favoritas, pois preciso relê-la – senti meus pudores seriamente ofendidos com os atos de Raskolnikov, além da antipatia que ele me causou desde o princípio. Quando Raskolnikov mata a velhinha e sua irmã, lembro-me de atirar o livro contra a parede com raiva, e de ter dito “que livro horrível”. Não era possível que o protagonista de uma estória agisse daquela forma. Ele me era incompreensível, absurdo, insuportável. Desisti de ler e fui estudar para a prova de física, ou algo que o valha. Não consegui resistir. Voltei a ler logo depois, e finalmente entendi que meu coração havia sido fisgado de forma irreversível. Nada poderia ser mais significativo e real do que Raskolnikov.

Eu selecionei uma série de trechos do último romance que li, os Demônios de 1871, porém logo vi que era algo idiota de se fazer. Vou postar aqui apenas um fragmento, não que seja o melhor, mas é algo que eu gostaria de dizer para muitas pessoas:

Chatóv se revolta contra os ideais progressistas de Siepan Trofímovitch:

“-Nem a Rússia nem o povo! – berrou Chatóv com os olhos brilhando. – Não se pode amar aquilo que não se conhece e eles não sabiam nada do povo russo. Todos eles, e o senhor junto com eles, fecharam os olhos ao povo russo (...) Vocês, além de não terem percebido nada do povo, vocês o tratam com um desprezo abominável, já pelo simples fato de que por povo vocês imaginam única e exclusivamente o povo francês, e além do mais apenas os parisienses, e se envergonham porque o povo russo não é assim. Isto é a verdade nua e crua! Mas aquele que não tem povo também não tem Deus! Saibam ao certo que todos aqueles que deixam de compreender o seu povo e perdem os seus vínculos com ele na mesma medida perdem imediatamente também a fé na pátria, se tornam ou ateus ou indiferentes. Estou falando a verdade! É um fato que se justifica. Eis por que vocês todos e nós todos somos afora ou uns abomináveis ateus ou indiferentes, uma porcaria depravada e nada mais! e o senhor também, Stiepan Trofímovitch, eu também não o excluo o mínimo, falo inclusive a seu respeito, fique sabendo”.

16/07/2007

Causos da Cidade Baixa.

Da Tauromaquia, de Goya
(3° participação do espanhol no meu humilde Blog)
Estava eu andando pela República quando um rapaz, vestido como um típico morador de rua, vem em minha direção dizendo: "Eu vou te matá, filhodaputa. Eu vou te matá!"

Ele não estava se referindo a mim, e logo descobri a quem era. Ele pega uma pedrinha inofensiva no chão, e joga para trás (na direção oposta a que eu estava) para atingir um grupo de jovens de classe média. Não sei o que houve entre eles, mas o rapaz de rua estava furioso.

Não se satisfazendo com a pedrinha, ele agarra uma enorme pedra, dessas idiotas e lisas que decoram calçadas, atira com toda a força no chão para ter em mãos pedregulhos perfeitos para atirar em alguém. Não perde tempo e atira de novo contra os jovens de classe média. E eu assistindo.

Ele corre logo após atirar as pedras, e eu continuo andando até chegar mais próximo do grupo de jovens, o objeto de ódio do rapaz de rua, que indignados ao perceberem as pedras vindas do alto começam a correr, enquanto um diz: "Vamos dá um pau nele!".

Eles saem enlouquecidamente. Porém, um deles dá um pique mas logo desiste da corrida, e olha para os outros desolado. Estes não desistem, e correm atrás do rapaz de rua aos gritos de "volta aqui!".

***

Jovens de classe média e moradores de rua possuem muito em comum. Eles costumam freqüentar a Lima e Silva, adoram comer o Xis do Speed, e procuram desesperadamente sentir prazer, através de consumo, drogas e sexo. E para completar, a sedução da violência também lhes causa profunda impressão, e eles normalmente se engalfinham na sua rede. Admito que apenas uma noite abandonado nas ruas de Porto Alegre é o suficiente para abalar uma pessoa de forma irreversível, enquanto que o mau dos jovens de classe média costuma ser apenas a falta de um campo com mato alto para capinar.

Porém, vou ser sincero. Como não sou moralista posso declarar que eu não gosto de jovens de classe média, e de moradores de rua também não. Por mim o mundo seria muito melhor sem esses dois tipos sociais. Certamente somente uma pessoa como eu para traçar um paralelo entre esses dois grupos, mas eles realmente possuem alguma coisa em comum.

De todos esses que participaram da briga que contei acima, somente me identifiquei com um: o hesitante. Aquele que olha para os amigos enfurecidos e vê o quanto desprovido de significado é aquela cena toda, percebendo que a violência é sagrada demais para ser profanada por motivos tão banais. Eu sempre fui assim, jamais vi sentido em tudo aquilo que tinha valor para os jovens da minha idade.

Porém eu compreendo a fraqueza de uns, e o destino maldito de outros. O som e a fúria causam a destruição da ânsia pelo significado do sentido. Se Deus existir deve ser algo mais ou menos assim...

28/06/2007

Mais um pensamundo, e dos bons...

Dica sobre o BBB, quem não ler isso não pode "ler" o programa...

http://www.revistacinetica.com.br/porquebbb.htm

e tmb (só ler esse segundo depois de ler o primeiro):

http://www.revistacinetica.com.br/entranhasbbb.htm

13/06/2007

(VOZ)

Todo o pensamento humano nasceu do engodo de que as palavras dizem aquilo que tu quer falar ou escrever. Nada disso... as palavras dizem aquilo que tu quer ouvir ou ler.

Obviamente, pois tu sempre fala o que quer ouvir, embora tenha dificuldade em compreender a tua própria voz. Porém, ignora o efeito daquilo que quer ouvir, nos ouvidos dos outros. É compreensível, pois a tua Voz é constituída das ruínas das vozes alheias daquilo que os outros queriam ouvir, logo toda criança tornar-se incapaz de distinguir as diversas vozes que lhe assombram, e que brotam fundamentalmente dos seus próprios ouvidos.

O resultado de toda essa teia, é que o ser humano é incapaz de controlar o seu próprio destino, que fica a cargo de alguma entidade transcendental constituída por uma infinidade de vozes incontroláveis. Ao menos, o homem pode compreender que ele sequer tem controle sobre a sua própria vontade.

23/04/2007

Confissões...

-Padre, eu pequei...
-Pois fale, meu filho.
-Mas o meu pecado é muito grave, Padre...
-Nenhum pecado é imperdoável diante de Jesus Cristo.
-A coisa é muito feia, Padre...
-Tu tá me assustanto, guri.
-Isso tá me consumindo por dentro... Não posso mais guardar dentro de mim...
-Desembucha, porra!
-Er-hum... É que eu não sou de esquerda, Padre.
-Ahh!... hum... Eu entento, eu entendo. É complicado. Todavia, eu já desconfiava.
-Tem mais, Padre...
-Mais?
-Sim... É que eu não votei no Lula...
-Hummm! É complicado. Mas tu contaste isso para alguém do Campus do Vale?
-Sim, Padre... sabe como é... eu não seguro a minha maldita língua.
-Eu entendo. Eu entendo. Mas, fique tranquilo, meu filho. Deus é grande, e afinal de contas, a reforma política taí, vai que tu tens mais uma chance.
-Não, Padre. O senhor não compreende... Mas é que eu também não acredito em Deus...
-Hummm! Isso é muito sério, meu filho. Jamais diga uma coisa dessas, Deus ama você.
-Ama nada, Ele não passa de um Velho Sacana...
-Mas, se tu não acreditas, porque o chamas de Velho Sacana.
-Não acredito, mas O respeito. Afinal, um cara que nunca aparece e, mesmo assim, tem uma pá de gente que paga o maior pau pra Ele... Deve ser um Cara FODA...
-Não diga uma coisa dessas, meu filho. É pecado. Porém, uma coisa me intriga, se não acreditas, porque vem aqui?
-É mais barato que o psicólogo...
-Hummm!
-Foda-se... e quanto ao Lula, Padre?
-Hummm! Diante desse pecado só há uma penitência adequada.
-Por favor, Padre. Eu aceito até ajoelhar no milho para que eu possa me redimir diante da sociedade.
-Nada disso. Não há outra alternativa, tu deves te filiar ao PSOL!
-Não, Padre. Por favor, não. Diga que a auto-mutilação é o suficiente, por favor, Padre, diga.
-Nope, filho... você precisa de cura interior...

07/04/2007

Eu sou um materialista. Explico.

Quando eu era um piá, estava no máximo na quarta série do fundamental, minha professora pediu para que fizéssemos um desenho a respeito da liberdade.

As crianças realizaram suas obras, em torno de gramados verdes, imaginando-se correndo com o vento contra o rosto, numa paisagem bucólica que expressava tranquilidade e calma. Sem horário para voltar para casa. Sem ter ninguém para dizer o que fazer.

Eu não. Desde pequeno já era amargo e pragmático. Desenhei, obviamente, dois quadros que representavam um rapaz trabalhando e, no quadro seguinte, comprando comida com o dinheiro do seu trabalho. Argumentei sobre a minha idéia de liberdade com a maior naturalidade. Todos me olharam com espanto e desdém, inclusive a professora. Porém, nada me dissuadiu de que aquilo era liberdade, acima de qualquer outra idéia.

Creio que o materialismo histórico estava impresso no meu sangue, através das correntes do imaginário trabalhista. As ideologias da grama verde não me iludiram, eu sabia que, na nossa sociedade, liberdade física significa dinheiro, e liberdade moral significa trabalho.

No entanto, a maioria das pessoas de esquerda - socialistas, comunistas, anarquistas, e o escambau - pregam a revolução enquanto correm na grama verde. Ignoram que liberdade consiste em escolher os próprios grilhões.

Ignoram que - por mais que possamos gritar, berrar, ou constuir racionalidades - nós somos constituídos pelas cinzas das nossas paixões.

24/02/2007

sabe eu vou mudar essa droga. Ninguém lê mesmo, e nem culpo porque eu só posso postar de vez em nunca... Porém do jeito que sou anti social até me espantou a quantidade de pessoas que comentaram, ou falaram que haviam lido. Pessoas de diferentes esferas de amizade que mantenho, sendo que essas esferas jamais se tocam sem atrito, no entanto todas elas respingaram aqui.

Mas eu vou mudar essa merda, porque eu reli o meu primeiro post e descobri q ele é muito legal. O resto tudo é uma porcaria, mas o primeiro é muito tri. Vou voltar a ter aquele espírito. Só não sei quando ainda. Talvez leve alguns meses.

E viva a gargalhada feroz, a lágrima do palhaço, a insígnia do forasteiro, a solidão congênita, a embriaguez da indiferença, e os sonhos estrangulados.

Viva Envinyatar, Enkiduh e Eris.

21/02/2007

Quebre o Espelho.



“Já suspeitamos que, ao obrigar-nos a escolher entre a geometria e o caos, entre o Saber absoluto e o reflexo cego, entre Deus e o primitivo, essas objeções movem-se na pura ficção deixando escapar tudo o que nos é e nos será sempre dado, a realidade humana. Nada do que fazemos, nada daquilo com que nos ocupamos é da espécie da transparência integral, nem da completa desordem molecular. O mundo histórico e humano (ou seja, salvo um ponto no infinito como dizem os matemáticos, o mundo ‘tout court’) é de uma outra ordem. Nem mesmo podemos chamá-lo “o misto”, pois não é feito de uma mistura; a ordem total e a desordem total não são componentes do real, e sim conceitos limites que abstraímos, antes puras construções que tomadas absolutamente tornam-se ilegítimas e incoerentes. Elas pertencem a esse prolongamento mítico do mundo, criado pela filosofia há vinte e cinco séculos, e do qual devemos livrar-nos, se queremos deixar de introduzir, no que deve ser pensado nossos próprios fantasmas”, p. 90.

“Não existe saber que não tenha necessidade de ser retomado na atualidade viva a fim de sustentar sua existência. Porém não é essa existência que deve assegurá-lo integralmente. Seu objeto não é uma coisa inerte, cujo destino total ela deveria assumir. Ele próprio é ativo, possui tendências, produz e se auto-organiza – porque se não é capacidade de produção e capacidade de auto-organização, não é nada”, p. 110-11.



Cornelius Castoriadis,
Instituição Imaginária da Sociedade.