12/10/2007

Estava eu atravessando o viaduto da João Pessoa, quase imobilizado por estar carregando mochila, jaqueta jeans e um MP3 player na mão, quando sou abordado por um rapaz. Paro, inclino a cabeça para ouvi-lo. Quando este chega bem próximo, ouço;
-Isso é um assalto!
-Quê?
-Só o dinheiro! Só o dinheiro! Só o dinheiro!

Creio que fiquei cerca de um minuto parado, olhando, sem entender o que estava acontecendo. Sou meio devagar, e perdi algum tempo percebendo o que ele tinha nas mãos (nada!) e o número de passantes pela volta.

Ora, eu posso não ser o mais rápido e corajoso do mundo (embora até tenha um pouco de sorte), porém não cederia tão facilmente. O rapaz estava contando que eu cairia atemorizado só com a ameaça. Eu posso ser um merda perto dos caras do lugar de onde cresci, mas eu ainda sou mais tranqüilo e sangue-frio que a maioria desses seqüelados da Capital.

Eu simplesmente disse: "Sai fora, meu!" e dei um passo para trás, e dois para a direita. Ele desistiu facilmente, virando-se de costas e dizendo, enquanto balançava a cabeça negativamente:
"Não tem, não tem! Fazer o quê?"

Tive um amigo que teve o relógio roubado, sendo que o ladrão ainda pediu desculpas: "Foi mal! É que to precisando!". Ainda ouvi uma história de terceiros, que o ladrão após assaltar uma rapariga e ter se distanciado uns 10 passos, retorna e pergunta à moça:
-Tem fichinha de ônibus pra voltar pra casa?
-Ah! Sim! Tenho!
-Então tá bom, tchau!

Uma amiga teve um caso ainda mais interessante. Voltava do mercado com uma sacola de compras quando foi abordada pelo assaltante. Não tendo dinheiro ela oferece fichas de ônibus, ao que ele aceita. Ela começa a procurar na sua mochila, levando certo tempo para encontrar. O rapaz olha para a sacola do supermercado:
-Tem comida aí?
-Só leite.
-Ah, bom. Então deixa.
Mais alguns minutos se passam enquanto ela procura. Ele pede o celular, mas ela não o carrega, e eles discutem se é necessário que ele revista a mochila dela. Mais algum tempo se passa enquanto ela procura fichas para o assaltante, até que ele diz:
-Olha, quando tu passar por essas ruas aqui tu te cuida melhor, viu?

Nada contra assaltantes, mas o mínimo que eles podiam fazer é livrar-nos do fardo de ter que amenizar a culpa que eles sentem por estarem nos assaltando. Se tu vais assaltar alguém, não peça desculpas, não finja que se importa, não aja como inocente. A sua culpa é problema seu, não jogue esse fardo para nós. Não quero saber se tu passas fome, se teu pai te bate ou o diabo. Não enquanto estou sendo assaltado, pelo menos. Nem todos os assaltantes são pobres, nem todos os pobres são assaltantes. Um crime é sempre um crime, caso contrário não seria um crime. Compreender algo tão simples é algo que escapa, não somente aos assaltantes, mas a toda a nossa sociedade que insiste em achar natural aquilo que todo dia nos consome: a irresponsabilidade. Não somos responsáveis pela miséria alheia, e os assaltantes também não se acham responsáveis por estarem nos assaltando.

Já não basta ouvirmos políticos legitimando seus salários, empresários justificando a sonegação, temos ainda que ouvir as desculpas e os conselhos de assaltantes de rua? Eu estou farto dessa sociedade de inocentes, de pobres coitados que são obrigados a cometerem crimes pelas condições impostas pelo coletivo.

É possível discutir se piratear “Tropa de Elite” é um crime ou não, porém até o presente momento de nossas leis, é. No entanto, não é possível discutir se o direito sobre a vida e a morte pode tornar-se uma prerrogativa de qualquer policial da “Tropa de Elite”, assim como não se pode justificar a lei do medo e da violência dos assaltantes como um meio de sobrevivência. A crise moral da nossa sociedade não é a falta de alguma coisa, é o excesso de razões para responsabilizar os outros pelos problemas coletivos.

“Essa miséria que nos sustenta”, vai muito além da pobreza material. A miséria também é da teoria, da ideologia que permite que consigamos conversar todos os dias, do espírito que nos move dentro da nossa sociedade.