20/12/2008

Contra-texto

Meu orientador - que é a pessoa mais perspicaz e inteligente que eu conheço - disse que meu TCC defendia argumentações que se contradiziam ao longo do texto, o que me fez pensar bastante.

Não sobre o conteúdo do texto em si, pois isso já não me importa, pelo menos agora que ele já foi aprovado e coisa e tal. Essa aparente contradição me mostrou o quanto cultivo carinhosamente esses antagonismos complementares e, inclusive, me recuso abrir mão deles. Neste espaço virtual postei textos absolutamente contraditórios, seja internamente, ou ainda que se contrapõem a outros textos. Mas, principalmente, textos que contradizem todos os meus desejos, expectativas, possibilidades, projeções, lastros, enfim...

Como um aspirante à intelectual fica o tempo criticando essa gente? Isso não significa que eu esteja sendo hipócrita, pelo contrário, o que escrevo é exatamente o que penso. Mas, penso coisas contraditórias (velho bom, duplipensar), entre outras aporias.

O texto em que falo sobre Livros, por exemplo, o imenso inventário das frustrações humanas. Ora essa, nada mais importante para mim do que os livros. É por eles que vivo, não vou disfarçar, me envergonhar, ou o que for. Sou uma traça, mas não me alimento do papel, mas do sentimento que brota quando leio. Simples assim. Vivo do jogo de espelhos da leitura: o que lemos é aquilo que alguém quis escrever, ou aquilo que eu mesmo quis ler num texto alheio?

Mas, embora traça, reconheço a arte maior: a música. É somente na música tocada ao vivo que podemos retornar ao Éden... Todos procuram o belo, gregos, antigregos, subgregos...

12/12/2008

Anthony Burgess - 1985 (em homenagem à implantação dos TCCs no Dep. de Hist da UFRGS)

"Intelectuais com ambições políticas tinham de ser suspeitos pois, numa sociedade livre, os intelectuais figuram entre os desprotegidos da fortuna. O que eles oferecem - como professores, conferencistas acadêmicos, escritores - não tem muita procura. Se ameaçarem suspender suas atividades ninguém se incomodorá muito. Recusar-se a publicar um volume de versos livres ou a ministrar uma aula de linguística estrutural não é a mesma coisa que interromper o fornecimento de energia elétrica ou paralisar os ônibus. Eles não dispõem dos poderes do patrão capitalista ou dos chefes dos sindicatos. Frustrados e insatisfeitos com os prazeres puramente intelectuais, tornam-se revolucionários. As revoluções são, quase sempre, obra de intelectuais descontentes, dotados de um certo dom para a oratória. Vão às barricadas em nome dos camponeses ou dos operários porque o lema: "Intelectuais do mundo, uni-vos!" não é lá muio inspirador".


"Ou construir uma imagem romântica do operário e endeusá-lo, o que significado privá-lo de suas características humanas, ou desprezá-lo - estas eram as duas únicas alternativas possíveis para um intelectual como Orwell. Ele tinha tudo para pertencer ao Ingsoc - lia o The New Statesman enquanto os operários liam o Blighty e o The Daily Mirror. Os operários não compravam seus livros. Também não compram os meus, mas eu não me queixo. Nem cometo o erro de supor que a vida da imaginação é de algum modo superior à vida do corpo. Tanto o trabalhador das docas quanto o novelista, ambos são parte de um organismo chamado sociedade e, pense o que quiser, a sociedade não pode prescindir deles".


"O proletariado não existe. O que existe são homens e mulheres, com os mais variados graus de conscientização social, religiosa e intelectual. Considerá-los apenas em termos marxistas é tão aviltante quanto seria olhar para eles do alto de uma carruagem de vice-rei. Não é nosso dever anular as diferenças de sangue, educação, maneira de falar e até mesmo cheiro que nos separam, contraindo um matrimônio de sacrifício, fora do nosso meio social, ou passando uma segunda-feira sob o cais de Wigan. Mas temos o dever de não permitir que abstrações como classe e raça possam ser transformadas em bandeiras de intolerância, do medo e do ódio. Temos o dever de, pelo menos, tentar lembrar que somos todos - ai de nós - mais ou menos iguais, isto é, horríveis".