17/08/2007

Dostoiévski.

“Stavróguin foi, mas depois de três passos voltou-se para Liza. – Se você ouvir alguma coisa agora, Liza, fique sabendo: sou o culpado”.


É difícil explicar porque gosto tanto de Dostoiévski, principalmente porque ele se tornou para mim, desde sempre, uma divindade pessoal, no mesmo nível de Cavaleiros do Zodíaco e o Nirvana (a banda). Talvez o meu fascínio seja fruto da minha incapacidade de enquadrar a obra de Dostoiévski, e submetê-la à inteligibilidade da estética taxionômica, ou seja, é impossível “explicar” um romance dele, como se poderia normalmente “explicar” um romance qualquer.

É difícil gostar das personagens sem sentir-se constrangido e perturbado pelas ambigüidades que elas carregam Não há como falar sobre Raskolnikov ou Ivan Karamazov sem empobrecê-los de forma terrível, e Mersault de Albert Camus parece ridículo e banal diante de Nikolai Stavróguin. Resumir a história também é sempre uma bobagem, pois embora Dostoievski sempre nos apresente um enredo principal, ele fica boa parte do romance nos seus desvios narrativos que muito pouco necessitam do eixo principal para ter vida própria. E para completar o desespero do leitor as histórias normalmente começam e terminam de repente, isso se o leitor conseguir superar as tortuosas primeiras páginas em que o autor insiste em mantê-lo sem compreender quase nada do que se passa na estória, embora a conte de forma clara e óbvia.

Lembro-me que quando li Crime e Castigo – obra que lembro muito pouco porque era muito jovem na época, e está longe de ser uma das minhas favoritas, pois preciso relê-la – senti meus pudores seriamente ofendidos com os atos de Raskolnikov, além da antipatia que ele me causou desde o princípio. Quando Raskolnikov mata a velhinha e sua irmã, lembro-me de atirar o livro contra a parede com raiva, e de ter dito “que livro horrível”. Não era possível que o protagonista de uma estória agisse daquela forma. Ele me era incompreensível, absurdo, insuportável. Desisti de ler e fui estudar para a prova de física, ou algo que o valha. Não consegui resistir. Voltei a ler logo depois, e finalmente entendi que meu coração havia sido fisgado de forma irreversível. Nada poderia ser mais significativo e real do que Raskolnikov.

Eu selecionei uma série de trechos do último romance que li, os Demônios de 1871, porém logo vi que era algo idiota de se fazer. Vou postar aqui apenas um fragmento, não que seja o melhor, mas é algo que eu gostaria de dizer para muitas pessoas:

Chatóv se revolta contra os ideais progressistas de Siepan Trofímovitch:

“-Nem a Rússia nem o povo! – berrou Chatóv com os olhos brilhando. – Não se pode amar aquilo que não se conhece e eles não sabiam nada do povo russo. Todos eles, e o senhor junto com eles, fecharam os olhos ao povo russo (...) Vocês, além de não terem percebido nada do povo, vocês o tratam com um desprezo abominável, já pelo simples fato de que por povo vocês imaginam única e exclusivamente o povo francês, e além do mais apenas os parisienses, e se envergonham porque o povo russo não é assim. Isto é a verdade nua e crua! Mas aquele que não tem povo também não tem Deus! Saibam ao certo que todos aqueles que deixam de compreender o seu povo e perdem os seus vínculos com ele na mesma medida perdem imediatamente também a fé na pátria, se tornam ou ateus ou indiferentes. Estou falando a verdade! É um fato que se justifica. Eis por que vocês todos e nós todos somos afora ou uns abomináveis ateus ou indiferentes, uma porcaria depravada e nada mais! e o senhor também, Stiepan Trofímovitch, eu também não o excluo o mínimo, falo inclusive a seu respeito, fique sabendo”.